Resenha: A cor púrpura - Alice Walker

Há algum tempo eu venho rejeitando os livros que estão ao meu alcance. Histórias de amor, ou focadas em problemas existenciais de mulheres brancas da classe média ou alta. Eu procurava ler sobre os excluídos, os sofridos. Já falei também quando percebi que nós, mulheres negras, estamos excluídas da literatura e diria que os negros em geral estão. Parece uma coisa tão óbvia, mas tenho certeza que todos demoram para enxergar.

O que eu procurava estava bem na minha frente, em um livro muito mais duro do que o que eu estava preparada para ler. Eu ainda quero ler livro com personagens negros que não tenham sua vida marcada pela cor, que sejam 'pessoas normais', mas talvez essa ainda não seja uma realidade geral.

A cor púrpura de Alice Walker, 1982, é um romance em forma de cartas. Primeiro Celie escreve para Deus contando detalhes de sua triste vida que se torna mais lamentável pelo seu caráter. Ela aparenta não ter forças, talvez nem vontade suficiente para lutar contra os abusos do padrasto. Vê a mãe sendo abusada sucessivamente e condenada a ter vários filhos. Logo o pai a escolhe para ocupar o lugar da mãe e ser abusada e ter filhos que serão afastados dela. Celie nunca resiste, a única coisa que ainda a faz reagir é a necessidade de proteger a irmã, Nettie.

Demorei para perceber a força dessas mulheres, elas lutam para sobreviver, sem imaginar o que será delas no dia seguinte. Esforçam-se para estudar, até o acesso à educação lhes é negado. Suas vidas são traçadas pela vontade dos homens, primeiro o pai, depois o marido. Celie só consegue um casamento porque o marido, que ela chama de Sr.,  precisa dela para cuidar da casa e dos seus filhos, além de servir como saco de pancadas.

A vida de Celie é transformada ao conhecer mulheres diferentes, Sofia, a mulher de seu enteado, e Shug, amante de seu marido. Elas não aceitam as imposições masculinas a ponto de surpreenderem Celie, para esta o normal é que a mulher aceite a vontade dos homens e nunca questione ou revide uma agressão.

Em Shug, Celie encontra o sentido de um afeto, um amor, coisas que nunca julgou ser capaz de sentir. Nem ao menos ela tem ciúmes do marido pois este nunca a levou a sentir nada além de dor, assim como os outros homens de sua vida.
Quando as mulheres se unem, elas são as protagonistas de suas próprias histórias, elas são capazes de mudar os seus destinos. Essa é uma coisa que eu amei nesse livro, as mulheres não são rivais ou inimigas, elas podem passar por desentendimentos, mas há uma conexão. Você consegue sentir o quanto elas entendem umas as outras e querem o bem das outras. Irmãs, amantes, ex e atual de alguém, não importa, elas são muito mais que esses rótulos.
Pelo que me falaram sobre esse livro e pelo seu próprio enredo, eu pensei que seria só tristeza, mas foi muito diferente. Pelas cartas de Nettie, vivendo na África, temos uma noção das reflexões dos negros africanos, negros americanos, do que os negros pensam sobre os brancos.

Uma sensação muito forte de que nós somos moldados, vítimas de forças superiores, não destino, mas resultado da ação de outras pessoas, de outras épocas. O nosso caráter, as nossas ações... às vezes sabemos tão pouco sobre nossas raízes, sobre nós mesmos. E no entanto somos mais fortes, mais fortes que o destino, mais fortes que o passado, mais fortes que o rancor... e há sim uma forma de tudo acabar bem.

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